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Florestas: memória e paisagem
Museu Lasar Segall, São Paulo, 2001
Por Angélica de Moraes

Esta exposição traz um diálogo através dos tempos entre as paisagens de Lasar Segall e as paisagens de José De Quadros, artista paulista radicado em Kassel (Alemanha). A conversa rompeu gerações. Atravessou a barreira do tempo já vivido de Segall para alcançar o tempo em vivência de José De Quadros.

Não foi encontro programado, com objetivos imediatos de tematizar uma exposição para este museu. O conjunto de trabalhos aqui exibido é conseqüência depurada do forte impacto estético produzido pela obra de Segall, há mais de 20 anos, em um artista em formação. Impacto que ainda repercute na obra adulta de Quadros e em sua perseverança na difícil arte da pintura.

De imediato, a aproximação parece estranha. Segall tem na figura humana sua marca mais conhecida. Sua obra enfoca rostos e personagens com a curiosidade e a insistência de um antropólogo. Quando retrata a paisagem rural, costuma colocar nela o indice da presença humana: uma plantação, uma casa, fazendas ou cafezais. A natureza que retrata é domada e dócil, é a geografia tropical tomada de onipresentes e viçosas bananeiras.

Na cidade, Segall fixou seu olhar na floresta da Tijuca, recortada contra a malha urbana do Rio de Janeiro a seus pés. au gravou morros tomados de favelas como pano de fundo de prósperos sobrados coloniais de beiral de telha. A visão social, sempre. Seja pelo ângulo do trabalhador da terra e da valorização de seu esforço produtivo, seja pela percepção das vidas marginais resistindo nas cidades.

Nas florestas de José De Quadros, a figura humana está ausente. Parece não haver qualquer intenção de anotação de caráter político ou ideológico. Mas isso é apenas aparência, como vamos ver a seguir.

O ponto inicial do encontro não verbal entre os dois artistas ocorreu no início dos anos 80, quando José visitou uma mostra de Segall exposta na Funarte do Rio de Janeiro.
O artista conta ter ficado magnetizado pela força do que via, sendo compelido a voltar inúmeras vezes para rever tudo em minúcias. Entre as obras daquela exposição, ficou especialmente gravada em sua memória o desenho Floresta com troncos espaçados.

Pintar florestas (muitas delas com troncos espaçados) é quase uma obsessão para José De Quadros, que produziu com esse tema a vertente mais sólida de sua pintura. Um conjunto vibrante, que impressiona pela capacidade de arrancar ressonâncias cheias de frescor de um tema tão repetidamente visitado. Seja pelo próprio artista, seja pela longeva história da pintura.
Do ponto de vista formal, é interessante notar o modo como o trabalho surge no espaço da tela. As primeiras referências são gráficas. Traços-troncos estabelecem a composição e o ritmo. Estão pousados sobre o fundo branco da tela, como se fossem rastros de gravura em metal transportada para o papel. Sobre esses primeiros indices da imagem, o artista sobrepõe pentimentos de intensidades variadas, rastros de pincel que apagam ou semi-apagam largas áreas, urdindo tessitura complexa e luminosa. As cores mais vibrantes podem vir do fundo da tela, como na técnica da aquarela. Ou, pictóricamente, serem colocadas por último, quase anulando a sugestão de figura com uma atmosfera que reverbera luz.

O clima idílico existente na celebração das cores outonais ou a melancolia e a solidão impregnadas nos horizontes tomados pela neve pressupõem o indivíduo (o pintor) que subjetiviza o entorno onde vive. As florestas não são ficções convocadas como mero pretexto para o livre curso do pincel mas traduções sensibilíssimas da vivência interior de alguém que mora em Kassel.

Essa cidade é cosmopolita e provinciana.

Vive a dicotomia insolúvel de sediar a mais importante mostra de arte contemporânea do mundo (a documenta, realizada a cada cinco anos) e, ao mesmo tempo, ser uma cidadezinha pequena, perdida no meio da Alemanha. Cercada de magníficas florestas, de altos pinheiros plantados ordenadamente ao longo de um riozinho de águas aparentemente límpidas, ela esconde, além de seus horizontes bucólicos, um passado dramático, ainda crispado na memória de todos.

Em telas como a de titulo Sombrios tornaram-se os dias, José De Quadros remete a esse passado turvo da cidade. Alude à tristemente célebre Noite dos Cristais (Reichskristallnacht) de 9 de novembro de 1938, quando todas as sinagogas da Alemanha foram destruidas pelo vandalismo e pelo fogo dos nazistas. Foi em Kassel que a primeira sinagoga foi queimada, como modelo e inicio do período de perseguição e extermínio mais feroz do povo judeu. Também foi em Kassel que a aviação britânica despejou toneladas de bombas incendiárias que causaram 14.000 mortos. As idílicas florestas de Kassel estão plantadas em solo impregnado de dor e de cinzas.

Seriam as florestas do final da vida de Segall, ainda que fossem de Campos do Jordão, reminiscências da infância e adolescência no Báltico?, indaga-se José De Quadros. Florestas idílicas escondendo um travo amargo da memória de imigrante judeu? É nestas florestas que Segall exercita seu olhar estrangeiro, a descobrir fascínio na diversidade.

A calma de Campos do Jordão envolve em algodão a lâmina da memória da guerra.

O olhar estrangeiro de José De Quadros sobre as florestas de Kassel, por sua vez, trabalha em sentido contrário. Desenterra da cena pacífica um passado não vivido, que projeta seu gume afiado em sombras sobre o duro oficio de viver. Uma paisagem onde a figura está antes, abaixo ou após as árvores. Sujeito oculto. Tragédia partilhada.

© 2013 José De Quadros |
 
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