PAISAGENS NUAS
(Galeria SESC Paulista, 1999)
por Regina Melim (UDESC/Florianópolis)
Conheci a pintura de José De Quadros através da série de paisagens onde ele apresentava imagens longínquas de florestas ou grandes extensões de mares, espécie de deserto que revelam um clima de solidão, desolação.
Parecia que, mesmo ausente a figura humana nestas pinturas, sua presença pulsava alí de alguma forma. Essas paisagens falavam de seres humanos.
Posteriormente, José passou a introduzir a figura humana através da utilização de tomografias computadorizadas e radiografias. Uma figura "sem rosto", que possuía uma identidade mas a maneira como era colocada, podia assumir a identidade de qualquer um de nós. Humanos, talvez, à procura de si mesmos, desolados e solitários como suas paisagens.
A radicalização desse processo aparece na série que José De Quadros está apresentando nessa exposição. Aqui as paisagens desérticas são ocupadas por pílulas Lifestyle como Prosac, Lexotanil, Xenical e Viagra. Antidepressivos, expelidores de gordura e estimulador da potência sexual passam a ser os signos que representam o homem contemporâneo. Frisos desordenados mostram ampliações de fragmentos de bulas desses medicamentos para aguçar a curiosidade do leitor que, logo se vê impedido pois uma cobertura de tinta vela seu conteúdo.
Em outra série, por cima dessas bulas repintadas aparecem esquemas de figuras saídas de Rubens, Caravaggio, Da Vinci ou Botticelli. Vide Bula é como ele nomina esses trabalhos, uma ironia posta, quem sabe, para desestabilizar cânones de figura humana viril, antropocêntrica, estabelecida por tantos séculos na cultura ocidental.
A matéria, nas pinturas de José de Quadros, é tratada como metáfora de um dissecamento. Na pintura Mortus in Coitus, por exemplo, um emaranhado de linhas vermelhas e pinceladas cobalto/violeta, recobertas com tinta branca, deixa transparecer em seus interstícios, a visão de veias, artérias e corpos cavernosos da região pélvica, genital e coxas de um homem. Ou, quando é colocado sobre as camadas de tinta, radiografias de pênis e sobre elas, outras tantas camadas, extraindo suposto vestígio erótico.
Essas sucessões de revestimentos acrescidos de radiografias, tomografias, desenhos, palavras ou figuras esquematizadas, palimpsestos cuidadosamente elaborados por esse artista, podem ser lidos como matérias da consciência, substratos de vivências e constatações. Textos que dissecam o sujeito internamente permitindo articulações em todo o seu percurso: desde as subjetivações da paisagem às subjetivações do homem chegando, às vezes, como confessa José De Quadros, a paisagem dar lugar ao corpo humano e esse humano funcionar quase como uma paisagem.
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