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José De Quadros sobreVIVER
SESC Pompéia - outubro a dezembro de 2010

Por Tereza de Arruda, curadora
Berlim agosto 2010

A mostra de José De Quadros sobreVIVER elaborada para o SESC Pompéia é a mais abrangente de sua carreira unindo um compêndio de sua produção dos últimos doze anos. Suas pinturas são produzidas tanto em São Paulo quanto na cidade de Kassel na Alemanha onde estudou e vive há mais de vinte anos. Mesmo assim mantem presença constante em renomadas instituições brasileiras tendo apresentado mostras individuais em São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Florianópolis, João Pessoa entre outras cidades.

A vivência bi-cultural e simultânea faz com que José De Quadros se readapte a cada temporada, a cada mudança de atelier e cada vivência ao cruzar o Ocenao Atlântico. Esta vida bilateral lhe permite visualizar ambos contextos tanto como um protagonista atuante quanto como um observador distante, percorrendo diversas camadas de vivência e observação crítica social e pessoal.

Toda esta experiência é transposta em sua pintura. Incansáveis camadas de tinta a óleo aplicadas sobre as telas defendem explicitamente uma dupla tendência: velar e revelar relatos históricos e pessoais aí encravados. O desenho se faz sempre presente através de contornos sutis transpostos na superfície pastosa e intensa da tela. As representações são espassas e bem definidas graças à força dos traços individuais a atuar como cicatrizes, testemunhas de um passado remoto ou até mesmo recente. As pinturas são concebidas basicamente destes dois elementos: um fundo muitas vezes de cores pastéis imersas em camadas de branco agindo como uma névoa a nivelar todo o cenário; no primeiro plano os desenhos como protagonistas minimalistas selecionados pelo artista a assumir o papel de destaque em suas narrativas pictóricas. Em séries mais recentes e produzidas principalmente em São Paulo, os fundos são assumidos por cores quentes e monocromáticas concebidas ainda pela junção de dinâmicas pinceladas individuais.

O desenho sobre papel também é um elemento presente na produção recente de José De Quadros. Uma casualidade colocou em suas mãos relíquias da história alemã – exemplares originais dos jornais “Volkischer Beobachter”, “Hessische Post” entre outros datados de 1931 a 1948. Neles se encontra todo o relato da ascenção e queda do Sistema Nazista relatado por fontes locais, em tempo real e testemunhas reais dos acontecimentos. Estes jornais em original passam a ser suporte de uma série inédita de desenhos de insetos e vegetais. Estes são extraídos de diversas referencias, principalmente de material didático escolar alemão, editados entre 1910 a 1960; além de material de imprensa antigos e atuais.

A produção de José De Quadros se iniciou em um percurso como auto-didata ainda no Brasil. Um longo caminho o levou à Alemanha onde ingressou na Faculdade de Artes Plásticas de Kassel formando-se em 1998 com especialização em pintura com o Prof. Kurt Haug. Ambas cidades onde vive, tanto São Paulo quanto Kassel, sedeiam duas das mais importantes exposições de artes plásticas – A Bienal de São Paulo e a Documenta de Kassel. Frequentador assíduo destes contextos, José De Quadro sempre saciou nestas fontes sua sede, através de seu olhar curioso e aguda sensibilidade, do universo da arte contemporânea nacional e internacional. Ainda nestes contextos foi assistente de Anseln Kiefer, Cildo Meireles e Tunga entre outros.

Independente de todo o entorno que compõe uma carreira artística, há somente um local intacto, no qual se encontram todas as verdades, incertezas, idéias e motivação do processo de criação – o atelier. Na obra de José De Quadros seu atelier assume em diversos momentos a figura central de sua produção ligada a acontecimentos, momentos e perspectivas por ele vivenciadas e portanto materializada por este elemento.

Esta mostra é concebida em diversos núcleos simbolizados por séries distintas demarcadas claramente pelo artista e aqui apresentadas em uma certa cronologia: Hannah Arendt, Fênix, Jogos de Armar, Kassel Atelier, Atelier São Paulo e Melancolia.

 

Hannah Arendt

A mostra é aberta com uma série de pinturas intituladas “Hannah Arendt”.
Hannah Arendt foi testemunha plena do sistema nazista. No papel de sobrevivente do holocausto e pensadora incansável, como uma das filósofas mais renomadas da atualidade, ela atuou também ativamente quanto à denúncia e o repensar do mal e toda e qualquer atitude humana ligada a este contexto. Autora de inúmeras publicações especializadas como o livro “A banalidade do Mal”, baseado em fatos reais e ainda na confrontação da autora com os vilões do sistema nazista – em 1961 ela acompanha como jornalista do periódico “The New Yorker” o julgamento em Jerusalem de Adolf Eichmann. Suas indagações quanto à Ética e Moral, o Bem e o Mal não perdem sua atualidade.

Tanto José de Quadros quanto Hannah Arendt encontraram em suas obras o contexto ideal para rever suas experiências próprias, ou melhor, transformaram suas obras no contexto ideal de introspecção e reflexão. As telas aqui expostas desta série são sobreviventes do incêndio criminoso que atingiu o atelier do artista em 22 de maio de 2006. Eram telas preparadas e empilhadas no atelier aguardando pela intervenção do artista. Esta aconteceu em 2009 quando José De Quadros preparou a série específica “Hannah Arendt”: o fundo manteve as marcas negras do fogo e fuligem que dominaram seu atelier. Sobre este fundo o artista desenhou insetos, seres que sempre o fascinaram atuando aqui como sobreviventes do sistema. Manchas vermelhas povoam este cenário, vermelho este extraído de um galão de tinta, também sobrevivente do incidente criminoso em seu local de trabalho.

 

Fênix

A série de pinturas intitulada “Fênix” é um marco muito importante na vida do artista. Infelizmente estas pinturas são também refugo do incêncio criminoso de 2006 no atelier de Kassel, o qual destruiu não somente obras acabadas como inacabadas como toda uma trajetória construída passo a passo até então. Esta vivência deixou cicatrizes não visíveis no artista enquanto que as telas da série Fenix carregam em si marcas reais deste agressivo pesadelo – tanto em sua superfície como no material utilizado.

Ironicamente uma série de obras deste núcleo iniciada em 1998 foi chamada na época de “Piromaníaco”, como que a prever seu destino. São representações de hidrantes e outros instrumentos existentes no entorno do atelier de Kassel, observados pelo artista dirariamente como objetos obsoletos ... até o dia em que provaram sua importância.

Esta série composta de telas existentes no atelier em 2006, finalizadas ou ainda pré acabadas tendo somente o fundo pronto, ou ainda outras a serem utilizadas formam o compêndio mais real e autêntico deste pesadelo vivenciado pelo artista. Hoje aqui nesta mostra elas se impõem como sobreviventes e testemunhas legítimas do ato de sobreViver. Elas incorporaram em si a metáfora e as marcas desta missão.

 

Jogos de Armar

Após esta experiência José De Quadros executa uma nova série tendo jornais originais do período nazista como suporte. Sobre ele o artista pinta insetos e outros animais que sempre despertaram sua atenção. Esta obra de caráter dramático e irônico simumtaneamente nos repassa uma nova perspectiva da esfera social durante o período do nazismo quando todos cidadãos alemães não arianos e perfeitos diante de um padrão pré estabelecido, estavam destinados ao extermínio. Segundo testemunho de José De Quadros: “quando esses jornais do período nazista da Alemanha caíram nas minhas maos, eu os recebi como uma missão de transformar tal coisa tão horrível e hedionda em algo positivo; já que eles tinham algo muito pesado, negativos em si, a documentação e a incitação do facismo - que gerou tanta desgraça e tragédia. A maior tragédia da Humanidade. Gostaria que esse trabalho auxiliasse na confrontação com esse tempo terrível, se e que isso é possível. Os desenhos e a sobrepintura velam a grande tragédia que ali atrás se esconde. Escancarada essa realidade seria tão repugnante que talvez quase ninguém ousaria a olhar tais jornais. Assim velados, quase com pentimentos, eles se tornam misteriosos e aguçam a curiosidade, o que realmente aconteceu? O que está por trás de tudo isso...o que nos ensina, o que aprendemos? o que foi armado? talvez esse seja o grande trunfo desse trabalho, destruir algo para construir o novo. destruir o negativo em favor do positivo, mas deixando o negativo lá no fundo, para que nós não nos esqueçamos das coisas terríveis do que somos capazes”.

Como que parte de um processo construtivo, parte dos desenhos desta série concebidos para a mostra sobreViver são sob jornais do final do período nazista e demarcados por desenhos de elementos orgânicos como uma planta de broto de feijão a abrir espaço para um recomeço, reconciliação e reformulação da sociedade alemã mutilada por anos de guerra.

 

Kassel Atelier/Atelier São Paulo

Duas séries aqui expostas são testemunhos diretos de cotidiano de José De Quadros: Atelier de Kassel e Atelier de São Paulo. Aqui o artista vê, relata e retrata suas cidades como imensos ateliers. Segundo José de Quadros: “Ao longo da história da arte, vários artista fizeram trabalhos referentes a seus ateliês, sempre mostrado-os de uma forma romântica ou mítica. Quando abordo o tema ateliê, não mostro o óbvio para um pintor, que seria pincéis, palhetas, cavaletes etc; mas sim mostro o que está ao redor, despido de qualquer romantismo ou mítica. Tudo é interpretado com uma certa aridez, mostrando o espaço como um mero espaço de trabalho, como outro qualquer. De certa forma, as coisas banais retratadas (postes, varais, paisagem suburbana, luminárias) adquirem um outro sentido quando mostradas nesse contexto e passam a ter um valor superior, desprendido da nossa visão normal do cotidiano”.

O Atelier de Kassel, série iniciada em 1997, enaltece a banalidade do cotidiano, dando-lhe uma posição de destaque. Elementos do entorno do atelier de Kassel, sejam eles postes de luz, trilhos, prédios do extinto depósito de cereais que foi em outrora são destacados nesta pintura. O artista contemporâneo não vive de uma ambientação idílica e fictícia, mas da realidade que lhe é imposta. Por anos José De Quadros trabalhou neste complexo arquitetônico até incorporá-lo como parte de sua obra. Processo este natural uma vez que visualizava diariamente este cenário. A janela de seu atelier lhe oferecia este refúgio, habitado por um desolado panorama periférico urbano típico de uma cidade alemã de 200.000 habitantes.

O Atelier de São Paulo por sua vez apresenta-se em partes com um fundo monocromático de cores intensas. Os elementos aí apresentados continuam sendo resgatados da arquitetura urbana habitada por vestígios coloniais como uma luminária neo-barroca, ou ainda pelo caos urbano paulistano relatado no emaranhado dos fios de alta tensão, varais ou as antenas de televisão a rasgar o panorama local. Estas obras são finalizadas em 2006 possuindo todas um fundo mesclado por diversas cores criando uma camuflagem como estratégia de sobrevivência, ou ainda como artifício de adaptação a diversos contextos.

 

Melancolia

Esta mostra é finalizada com a série Melancolia produzida em São Paulo em um processo introspectivo todo voltado para o interior de seu atelier exemplificando a imensidão do vazio enraizado após a obtenção da maturidade forçada pela vivência dos últimos anos. Objetos do cotidiano, habitantes assíduos de seu local de trabalho assumem o papel fundamental como testemunhas oculares.

Elementos deste atelier espartano: cadeira, mesa, fichário, escada são captados por José De Quadros e reincorporados em suas telas em diversas combinações como a buscar uma nova ordem em sua própria lógica. Ou a buscar uma nova lógica na ordem destes elementos. Ou a buscar uma resposta a tantas dúvidas. Ou a buscar um percurso em tantos caminhos.

Independente destas incertezas José De Quadros continua a traçar seu caminho com a responsabilidade de extrapolar barreiras geográficas, éticas, sociais e políticas.

© 2013 José De Quadros |
 
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